O filme vencedor dos principais prêmios do Oscar de 2021 é o tema do mais recente episódio sobre arquitetura e cinema do Arquicast. Nomadland, dirigido pela chinesa radicada nos EUA Chloé Zhao, retrata a vida de uma mulher que, com a perda do marido e da estabilidade financeira, passa a viver em uma van, cruzando o oeste americano adotando um estilo de vida denominado como nômade. O filme mostra a realidade das pessoas que, por diferentes motivos, encontram-se nesta condição e nos faz refletir sobre o sentimento de pertencimento a um lugar, sobre o significado do habitar hoje e sobre as relações de afeto que estabelecemos com cidades e paisagens às quais vivenciamos. Quem conversa com a gente sobre estas questões é Romullo Baratto, mestre em arquitetura e cinema pela FAU-USP e Gerente Editorial do ArchDaily.
No caso da personagem principal, vivida pela atriz Francis McDormand, assim como para milhares de americanos, a vida nômade surge em consequência da crise imobiliária e financeira de 2008, que impactou de forma generalizada a oferta de empregos e a capacidade de investimento e endividamento da classe média, inviabilizando hipotecas, alugueis e, como mostra o filme, cidades inteiras.
O estilo de vida do nômade contemporâneo já era conhecido dos americanos há, pelo menos 25 anos, e hoje representa uma comunidade de mais de 1 milhão de pessoas. Nem sempre é a necessidade financeira a determinante pela adoção desta modalidade do morar, mas a crise de 2008, a digitalização do trabalho e, mais recentemente, a pandemia de Covid-19, fizeram as vendas de veículos recreativos (RV’s) disparar nos EUA, assim como a procura por empregos sazonais em diferentes partes do país.
Este equilíbrio frágil entre vontade x necessidade que move as escolhas individuais é um dos pontos de nossa conversa, que procura explorar os aspectos socioespaciais que estruturam as condições de vida dos personagens, nos ambientes em que estes habitam. Seja no interior dos seus carros, nos lugares de trabalho, ou nos estacionamentos públicos, que viabilizam o morar temporário com infraestrutura disponível para apenas o essencial.
O filme reforça, ainda, um país de paisagem natural estonteante, insólita e etérea, remetendo a um ideal de liberdade, independência e desprendimento do modelo de vida ocidental. O individualismo e a autonomia são contrabalançados com um senso de comunidade que se fortalece pelo acesso a uma rede de suporte que é, em realidade, mais humana que urbana, nos mostrando uma outra forma de estar juntos!